Cozinha
Medieval:
A
expressão cozinha medieval designa os alimentos, os hábitos alimentares, e os
métodos da culinária das várias culturas europeias durante a Idade Média, um
período datado aproximadamente do século V ao século XV. Durante este período,
as dietas e a culinária mudaram em toda a Europa, e essas mudanças ajudaram a
estabelecer as bases para a moderna cozinha europeia.
O
pão era o alimento básico, seguido por outros alimentos fabricados a partir de
cereais, como o mingau e as massas. A carne era mais prestigiosa e mais cara
que os grãos e que os vegetais. Entre os temperos comuns estavam o vertjus (do
francês médio, significa "suco verde"), suco extraído de uvas não
maduras, o vinho e o vinagre. Estes, juntamente com a utilização muito
difundida de mel ou açúcar (entre aqueles que tinham recursos para isso), deu a
muitos pratos um sabor agridoce. Os mais populares tipos de carne eram de porco
e frango, enquanto a carne bovina, que exigia um maior investimento em terras,
era menos comum. Bacalhau e arenque estavam entre os principais da população do
norte, mas uma grande variedade de outros peixes de água salgada e de água doce
também serviam de alimento. Amêndoas, tanto doces quanto amargas, eram
utilizadas inteiras como guarnição, ou mais comumente trituradas e usadas como
um espessante de sopas, ensopados, e molhos. Particularmente popular era uma
bebida leitosa feita de amêndoas trituradas, chamada de leite de amêndoa, que
era um substituto comum para o leite animal, utilizado para cozinhar durante a
Quaresma e os jejuns da Igreja Católica Romana.
O
transporte lento e as ineficientes técnicas de preservação dos alimentos
impediam o comércio de longa distância de muitos alimentos. Na maioria dos
casos, somente os ricos, especialmente a nobreza, podiam adquirir ingredientes
importados, tais como especiarias. Devido a esses fatores, a cozinha dos nobres
era mais propensa à influência estrangeira do que a de pessoas mais pobres.
Como cada nível da sociedade imitava o nível acima, as inovações resultantes do
comércio internacional e das guerras estrangeiras gradualmente se espalharam
através da classe média-alta das cidades medievais.
Em
uma época em que a fome era comum e as hierarquias sociais eram muitas vezes
brutalmente forçadas, o alimento era um importante indicador do estatuto social
de forma que não há equivalente hoje na maioria dos países desenvolvidos. À
parte da indisponibilidade econômica dos luxos, como especiarias, decretos
declaravam ilegal o consumo de certos alimentos por determinadas classes
sociais, e leis suntuárias limitavam o consumo conspícuo entre os nouveaux
riches (francês: "novos ricos"), pessoas que se tornaram ricas, e que
não faziam parte da nobreza. Normas sociais também impunham que o alimento da
classe trabalhadora fosse menos refinado, já que se acreditava que havia uma
semelhança divina ou natural entre o trabalho e os alimentos das pessoas;
assim, trabalho manual requeria alimentos mais vulgares e mais baratos.
Normas
de dieta:
As
cozinhas das cidades em volta do Mediterrâneo foram desde os primórios baseadas
em cereais, particularmente em vários tipos de trigo. Mingaus desse cereal e de
outros, como a aveia, e mais tarde o pão, se tornaram a alimentação básica e
representavam a maior parte das calorias ingeridas para a maioria da população.
A dependência de trigo permaneceu grande ao longo da época medieval, e, com o
crescimento do Cristianismo, espalhou-se para o norte. A centralidade do pão em
rituais religiosos, como a Eucarestia, significava que ele gozava de um elevado
prestígio entre gêneros alimentícios. Apenas o azeite e o vinho tinham um valor
comparável, mas permaneceram muito mais restritos fora das regiões mais quentes
onde creciam uvas e olivas. O papel do pão como símbolo de sustento (e mesmo de
essência) é ilustrado em um sermão dado por Santo Agostinho:
“Este
pão reconta nossa história… Você foi levado ao piso de debulhar do Senhor e foi
debulhado… Enquanto esperava o catecismo, você era como um grão mantido no
armazém… Na fonte do batismo você foi transformado em uma única massa. No forno
do Santo Espírito foi feito de você um verdadeiro pão de Deus.“
Do
século VIII ao século XI, a proporção de vários cereais aumentou de meros 1/3
para aproximadamente 3/4, e o pão continuou o produto básico da maior parte da
Europa por muito tempo na era moderna.
A
igreja Católica Ocidental e Oriental e seus calendários tinham grande
influência nos hábitos alimentares; o consumo de carne foi proibido por um
terço de ano para a maior parte dos cristãos, e todos os produtos animais,
incluindo ovos e derivados do leite, (com exceção do peixe) eram geralmente
proibidos durante a Quaresma e durante jejuns. A igreja frequentemente abria
exceções quando alternativas não-animais estavam indisponíveis ou simplesmente
eram demasiado caras (como exemplo, o Papagaio-do-mar, considerado um peixe
pelos pescadores na Noruega). Isentos dos regulamentos do jejum eram as
crianças, os velhos, os peregrinos, os trabalhadores e os mendigos, mas não os
pobres, desde que tivessem algum tipo de abrigo. Adicionalmente, era usual para
todos os cidadãos jejuar antes da Eucaristia, e esses jejuns eram ocasionalmente
por um dia inteiro e exigiam abstinência total.
A
ciência médica da época medieval tinha influência muito maior no que diz
respeito ao considerado saudável e nutritivo. O estilo de vida — incluindo a
dieta, os exercícios, o comportamento social apropriado e os remédios aprovados
— era o caminho para a boa saúde, e todos os tipos de alimentos eram designados
com certas propriedades que afetavam a saúde das pessoas. Todos os gêneros
alimentícios eram classificados em escalas do frio ao quente e do úmido ao
seco, de acordo com os quatro humores (quente, frio, úmido e seco), teoria
proposta por Galeno, que dominou a ciência médica ocidental desde o fim da
Antiguidade até o século XVII.
Jejum:
À
parte do regime imposto por médicos, a dieta medieval era severamente
influenciada por restrições religiosas. Tanto as igrejas orientais quanto
ocidentais ordenavam que um banquete deveria ser seguido de jejum. Na maior
parte da Europa, as quartas-feiras, sextas-feiras, e algumas vezes os sábados e
vários outros dias do calendário, incluindo a quaresma e o advento, eram dias
de jejum. Carne e outros produtos animais como leite, queijo, manteiga e ovos
não eram permitidos, somente peixe. O jejum intencionava mortificar o corpo e
revigorar a alma, para reforçar o dogma medieval que a carne era “inferior’’, e
também fazer lembrar do sacrifício de Cristo pela humanidade. A intenção não
era retratar certos alimentos como impuros, no lugar disso, a abstenção era uma
lição espiritual de autodomínio. Durante os dias particularmente rigorosos de
jejum, o número de refeições era reduzido para um. Mesmo que a maior parte das
pessoas respeitasse essas restrições e comumente fizesse confissão quando as
violasse, havia numerosos meios de evitar o problema, um conflito de ideais e
práticas eloquentemente resumidos pelo estudioso Bridget Ann Henisch:
“É
da natureza do homem criar a mais complicada prisão de regras e regulamentos
nos quais prende a si mesmo, e então, com igual ingenuidade e prazer, aplicar
seu cérebro no problema de esquivar-se triunfantemente mais uma vez.“
Embora
os produtos animais devessem ser evitados durante o tempo de penitência, os
compromissos pragmáticos prevaleciam muitas vezes. A definição de
"peixe" foi alargada muitas vezes a animais semi-marinhos e
aquáticos, como baleias, o ganso-de-faces-brancas, o papagaio-do-mar e até
mesmo o castor. A escolha dos ingredientes poderia ser limitada, mas isso não
significa que as refeições fossem menores. Nem houve quaisquer restrições
contra beber (moderadamente) ou comer doces. Os banquetes realizados nos dias
de peixes poderiam ser esplêndidos, e eram ocasiões populares para se servirem
ilusões de comida que imitavam carne, queijo e ovos de várias formas
engenhosas; o peixe poderia ser moldado para ter a aparência de carne vermelha
e ovos falsos poderiam ser feitos enchendo-se cascas vazias de ovos com ovas de
peixes e leite de amêndoa e cozinhando-os na brasa. Enquanto as autoridades da
igreja bizantina adotavam um sistema rígido e desencorajavam qualquer
refinamento culinários para o clero, sua contraparte ocidental era muito mais
tolerante. Há muitos relatos de membros do monasticismo cristão que desprezavam
as restrições de jejum mediante inteligentes interpretações da Bíblia. Desde
que os doentes foram isentos do jejum, frequentemente expandiu-se a noção de
que somente se aplicavam as restrições às áreas principais de refeições, e
muitos frades simplesmente faziam suas refeições rápidas do dia no que mais
tarde evoluiria para o oratório, ao invés do refeitório. As autoridades mais
novas procuraram corrigir o problema da evasão do jejum não meramente com
condenações morais, mas certificando-se que pratos bem preparados e que não
fossem feitos de carne estivessem disponíveis nos dias de jejum. Não houve
também falta de murmúrios sobre os rigores do jejum entre os leigos. Durante a
Quaresma, reis e estudantes, pessoas comuns e a nobreza, todos se queixavam por
serem privados de carne durante as longas e duras semanas de solene meditação
sobre seus pecados. Na Quaresma, os proprietários de gado foram ainda avisados
para manterem-se atentos aos cães famintos frustrados por um "duro esforço
pela Quaresma e por ossos de peixes".
Dietética
medieval:
Os
estudiosos medievais consideravam a digestão humana como um processo semelhante
ao cozimento. O processo do alimento no estômago era visto como uma continuação
da preparação iniciada na cozinha. A fim de a comida ser propriamente
"cozinhada", e para que os nutrientes fossem devidamente absorvidos,
era importante que o estômago fosse preenchido de forma apropriada. Alimentos
facilmente digeríveis seriam consumidos primeiramente, seguidos de pratos
gradualmente mais fortes. Se esse regime não fosse respeitado acreditava-se que
as comidas fortes iriam para o fundo do estômago, bloqueando assim o duto da
digestão, o que retardaria o processo digestivo, causando putrefação do corpo e
acumulando humores nocivos no estômago. Era também de importância vital que os
alimentos de propriedades diferentes não fossem misturados.
Antes
da refeição, o estômago deveria ser preferencialmente "aberto" com um
apéritif (do latim aperire, "abrir") que era preferencialmente de
natureza quente e seca: confeitos feitos de açúcar ou mel, condimentos
revestidos, como gengibre, alcaravia e sementes de erva-doce, funcho ou
cominho, vinho e bebidas de leite adoçadas e fortificadas. Como o estômago fora
aberto, deveria ser "fechado" no fim da refeição com a ajuda de um
digestivo, comumente um dragée, que durante a Idade Média consistia em massas
de açúcar condimentadas, ou hypocras, um vinho aromatizado com condimentos
fragrantes, juntamente com queijo velho.
Uma
refeição idealmente se iniciava com frutas facilmente digeríveis, como maçãs.
Seguidas então de vegetais como alface, repolho, beldroega, ervas, frutas
úmidas, carnes leves como frango ou cabrito com sopas grossas e caldos. Após,
seriam consumidas as carnes mais fortes como de porco e bovina, junto com
vegetais e castanhas, consideradas de difícil digestão. Era popular (e
recomendado pela medicina) finalizar a refeição com queijo velho e vários
digestivos humanos, por exemplo, os moderadamente aquecidos e umedecidos. A
comida mais ideal era aquela que mais rigorosamente se igualava aos humores dos
seres, preferencialmente também podendo ser finamente cortada, moída, coada,
para formar uma verdadeira mistura de todos os ingredientes. Cria-se que o
vinho era mais frio que o vermelho e a mesma distinção era aplicada ao vinagre
branco e ao vermelho. O leite era moderadamente quente e úmido; os leites dos
diferentes animais eram frequentemente considerados diferentes. A gema de ovo
era considerada quente e úmida enquanto a clara era fria e úmida. Era esperado
dos cozinheiros experientes que se conformassem ao regime da medicina dos
humores. Mesmo que isso significasse limitações nas combinações, ainda havia
muito espaço para variações artísticas.
Variações regionais:
Variações regionais:
A
variação geográfica eram o resultado das diferenças climáticas, administração
política e costumes locais que variavam ao longo do continente. Embora
generalizações devam ser evitadas, em áreas mais ou menos distintas certos
gêneros alimentícios dominantes podem ser discernidos. Nas Ilhas Britânicas, no
norte da França, nos Países Baixos, no norte das áreas de língua alemã, na
Escandinávia e na região báltica o clima era geralmente muito severo para o
cultivo de uvas e olivas. No sul, o vinho era uma bebida comum tanto entre
ricos quanto entre pobres (embora o plebeu usualmente tivesse de optar pelo
vinho mais barato de segunda prensagem), enquanto a cerveja era mais comum no
norte, sendo o vinho uma importação cara. Frutas cítricas (embora não fossem os
tipos mais comuns hoje) e romãs eram comuns na região do Mediterrâneo. Figos
secos e tâmaras ocorriam no norte, mas eram usados frugalmente na culinária.
O
azeite era um ingrediente ubíquo na região do Mediterrâneo, mas permanecia uma
importação cara no norte, onde o óleo de papoula, de nozes, e de avelã eram as
alternativas mais acessíveis. Manteiga e banha de porco, especialmente depois
da terrível sangria da população durante a Peste Negra, eram usados em
quantidades consideráveis nas regiões norte e no noroeste, especialmente nos
Países Baixos. Quase universal nas cozinhas das classes média e alta de toda a
Europa era a amêndoa, que estava no ubíquo e altamente versátil leite de
amêndoa, embora a variedade amarga tenha chegado muito mais tarde.
Refeições:
Tipicamente
havia duas refeições por dia: a principal feita ao meio-dia e uma ceia mais
leve ao anoitecer. Os moralistas desaprovavam quebrar o jejum da noite muito
cedo, e os membros da igreja e as classes cultas evitavam isso. Por razões
práticas, o desjejum era feito pela maior parte dos trabalhadores, e era
tolerado para crianças pequenas, mulheres, idosos e pessoas doentes. Em razão
de a igreja pregar contra a gula e outras fraquezas da carne, os homens tendiam
a se envergonhar da fraca natureza prática do desjejum. Banquetes esbanjadores
e ceias reresopers (do occitano rèire-sopar: "ceia tardia") tarde à
noite, com quantidades consideráveis de bebida alcoólica eram considerados
imorais. Estes últimos eram especialmente associados aos vícios de jogos, linguagem
bruta, embriaguez, e comportamento lascivo. Pequenas refeições e lanches eram
comuns (embora também desgostados pela igreja), e os trabalhadores comumente
recebiam um subsídio de seus patrões, a fim de comprar nuncheons, pequenas
porções de alimento, para serem comidas durante intervalos.
Etiqueta:
Havia uma tendência que aumentava por toda a Idade Média de escapar
do rigoroso coletivismo que saturava todo o período. Por outro lado, a refeição
medieval era uma ocorrência comunal, como todas as outras partes da vida. Todas
as pessoas da casa, incluindo os criados, idealmente teriam a refeição juntos.
A evasão para gozar de companhia privada era considerada um egotismo num mundo
onde as pessoas dependiam muito umas das outras. No século XIII, o bispo
inglês Robert Grosseteste advertiu a condessa de Lincoln:
"proíba
refeições e ceias fora do salão, em cômodos privados e secretos, pois disso vêm
desperdício e desonra para o senhor e para a senhora."
Ele
também recomendou vigiar para que os criados não roubassem as sobras para
fazerem reresopers (refeições a mais) no lugar de dá-las como esmolas. Embora
houvesse descrições de etiqueta para as refeições em ocasiões especiais, pouco
se sabe sobre os detalhes das refeições do dia a dia da elite, ou sobre os
modos à mesa das pessoas comuns e dos necessitados. Contudo, pode-se assumir
que, para as classes baixas, não havia luxos extravagantes como refeições
divididas (entrées, relevés, principal, etc.), condimentos luxuosos, e lavar as
mão com água perfumada.
Já
entre as classes mais abastadas, antes da refeição e entre os pratos, bacias
rasas e toalhas de linho eram oferecidas aos convidados para que pudessem lavar
as mãos, já que a limpeza era enfatizada. Códigos sociais dificultavam que as
mulheres mantivessem um padrão de asseio, delicadeza e de serem imaculadas
quando dos banquetes suntuosos; assim, a esposa do anfitrião frequentemente
fazia sua refeição em particular com sua companhia. Ela poderia então se juntar
ao banquete quando a potencialmente confusa ação de comer estivesse acabada. Em
todo lugar, a refeição refinada era uma coisa predominantemente dos homens, e
era incomum para qualquer um, exceto para o mais honrado dos convidados, trazer
sua esposa e suas criadas de companhia. A natureza hierárquica da sociedade era
reforçada pela etiqueta, segundo a qual o inferior deveria ajudar o superior, o
mais novo auxiliaria o mais velho, e o homem isentar a mulher do risco de
manchar roupas e reputação por ter de manusear alimentos de modo indigno para a
mulher. Compartilhar os vasilhames de beber era comum para todos até mesmo em
banquetes superabundantes, exceto para aqueles que se sentavam no estrado,
assim como era o padrão da etiqueta partir o pão e trinchar a carne para os
companheiros de refeição.
Os
alimentos em sua maior parte eram servidos em pratos ou em potes de ensopado, e
as pessoas pegavam suas porções dos pratos e colocavam-na em recipientes de
madeira, de pão seco ou de peltre com a ajuda de colheres ou com as mãos. Nas
casas das classes mais baixas era comum comer o alimento diretamente da mesa.
As facas eram usadas à mesa, mas era esperado da maioria que trouxesse a sua
própria, e somente aos convidados altamente favorecidos seria dada uma faca
pessoal. A faca era usualmente compartilhada com pelo menos outro convidado, a
menos que se fosse de alta classe ou conhecido próximo do anfitrião. Os garfos
não eram muito difundidos na Europa até o período moderno, e no início eram
limitados à Itália. Mesmo aí não foi antes do fim do século XIV que o garfo se
tornou comum entre os italianos de todas as classes sociais. A mudança de
hábitos pode ser ilustrada pelas reações aos modos à mesa da princesa bizantina
Theodora Doukaina no fim do século XI. Ela era a futura esposa do Doge de
Veneza Domenico Selvo, e causou um desânimo considerável entre os venezianos
honrados. A insistência da consorte estrangeira, que queria que sua refeição
fosse cortada por seus servos eunucos, para ser então comida com um garfo
dourado, chocou e perturbou os convidados tanto que o Bispo de Ostia mais tarde
interpretou suas maneiras estrangeiras refinadas como soberba e referiu-se a
ela assim:
"…a
esposa veneziana do Doge cujo corpo, após sua excessiva delicadeza,
deteriorou-se completamente"
Preparação
dos alimentos:
Toda
a culinária envolvia uso direto de fogo. Não havia fogões antes do século
XVIII, e os cozinheiros deviam saber como preparar os alimentos diretamente em
fogo aberto. Os fornos eram usados, mas eram de construção cara e existiam
somente em casas maiores e em padarias. Era usual para comunidade compartilhar
a propriedade de um forno para garantir que o essencial assar do pão fosse
feito público em vez de privado. Havia também fornos portáteis feitos para
serem cheios com alimento e então enterrados em brasas, e mesmo outros maiores
montados em rodas eram usados para vender tortas nas ruas das cidades
medievais. Mas para a maioria das pessoas, quase todo o cozimento era feito em
simples panelas para ensopados, já que esse era o uso mais eficiente da lenha e
não desperdiçava os preciosos caldos dos alimentos, fazendo das sopas e dos
guisados os pratos mais comuns. Em toda parte, a maioria das evidências sugerem
que os pratos medievais tinham um conteúdo razoavelmente alto de gordura, ou
pelo menos a gordura era acessível. Isso era considerado um problema menor num
tempo onde árduos trabalhos, fome, e uma maior aceitação - até mesmo desejo -
de obesidade; apenas os pobres, os doentes e os devotos do ascetismo eram
magros.
As
frutas eram de bom grado combinadas com carne, peixe e ovos. A receita medieval
Torta de brymlent (Tart de brymlent), uma torta de peixe da compilação de
receitas Fôrma de Cury, inclui uma mistura de figos, passas, maçãs e pêras com
peixe (salmão, bacalhau novo ou hadoque) e ameixas roxas sem caroço abaixo da
crosta superior. O mais importante era ter certeza de que o prato estava de
acordo com os padrões contemporâneos da medicina e dos dietistas. Isso
significava que o alimento deveria ser "ajustado" de acordo com sua
natureza por uma combinação apropriada na preparação e mistura dos ingredientes
e condimentos. Por exemplo, o peixe era considerado muito frio e úmido, e,
portanto, era melhor se preparado de forma que o esquentasse e o secasse, como
frituras ou assadura em forno, e temperado com condimentos quentes e secos; a
carne bovina, considerada seca e quente, deveria então ser cozida em água; a
carne de porco era quente e úmida e deveria sempre ser assada. Em algumas
coleções de receitas, os ingredientes alternativos eram especificados levando
em consideração mais a natureza dos humores do que a similaridade de sabor.
Numa receita de torta de marmelo, o repolho é dado como alternativo idêntico,
em outra, o nabo é considerado equivalente às pêras.
Coleções
de receitas ainda existentes mostram que a gastronomia no fim da Idade Média se
desenvolveu significativamente. Novas técnicas de receitas, como a clarificação
de geléias com clara de ovo, começaram a aparecer no fim do século XIV, e
começaram-se a incluir instruções detalhadas nas receitas, em vez de serem
meros lembretes.
A
cozinha medieval:
Na
maioria das casas, os cozimentos eram feitos em uma espécie de lareira no
centro do cômodo principal, para fazer uso eficiente do calor. Esse era o
arranjo mais comum, mesmo em casas ricas, na maior parte da Idade Média, onde a
cozinha era combinada com a sala de refeições. Na Baixa Idade Média, uma
cozinha separada começou a evoluir. O primeiro passo foi mover a área do fogo
para as paredes da sala principal, e mais tarde fez-se uma construção ou uma
casa separada que continha a área da cozinha, frequentemente separada da
construção principal por uma arcada coberta. Desse modo, a fumaça, os odores e
os barulhos da cozinha poderiam ser mantidos fora da vista dos convidados, e os
riscos do fogo diminuíam.
Muitas
das variações básicas de utensílios culinários disponíveis hoje, como
frigideiras e outros tipos de panelas, chaleiras e chapas para a fabricação de
wafels já existiam, mesmo que fossem frequentemente muito caras para as casas
mais pobres. Outros utensílios mais específicos para se preparar alimentos
sobre fogo aberto eram espetos de vários tamanhos, e materiais para prender
qualquer coisa desde delicadas codornas a bois inteiros. Havia também suportes
móveis com ganchos ajustáveis, de modo que as panelas e os caldeirões pudessem
ser facilmente movidos para fora do fogo para evitar que queimassem ou que
transbordassem pela fervura. Os utensílios eram frequentemente mantidos
diretamente sobre o fogo ou colocados em brasas ou sobre tripés. Para auxiliar
o cozinheiro havia também várias facas, colheres, conchas e raladores. Em casas
ricas, um dos utensílios mais comuns era o almofariz e um tecido para peneirar,
já que muitas receitas medievais requeriam que o alimento fosse finamente
cortado, triturado, coado e curado, fosse antes ou depois do cozimento. Isso
era baseado na crença entre os médicos de que quando mais fina fosse a
consistência do alimento, mais efetivamente o corpo o absorveria. Isso também
deu aos cozinheiros hábeis a oportunidade de modelar cuidadosamente os
resultados. Os alimentos de textura refinada eram associados à saúde; por
exemplo, a farinha finamente moída era mais cara, enquanto o pão das pessoas
comuns era tipicamente marrom e rústico. Um procedimento típico era tirar a
pele e cortar o animal, triturar a carne e misturá-la com temperos e outros
ingredientes e colocá-la de volta na pele, ou moldá-la na forma de um animal
completamente diferente.
O
número dos que trabalhavam na cozinha de um grande nobre ou das cortes reais
ocasionalmente chegava às centenas: responsáveis pelos pães, pela despensa,
padeiros, os que faziam wafers, molhos, açougueiros, trinchantes, pagens,
ordenhadoras, mordomos e incontáveis ajudantes. Enquanto a casa camponesa na
média cozinhava com a lenha coletada na região florestal circundante, as
cozinhas das grandes casas tinham de competir com a logística de providenciar
pelo menos duas refeições para algumas centenas de pessoas. Podem ser vistas
normas de como preparar alimento para um banquete de dois dias no livro de
receitas do século XV Du fait de cuisine ("Da arte culinária"),
escrito por Chiquart, chef principal de Amadeu VIII, duque de Sabóia. Chiquart
recomenda que o cozinheiro chefe deve ter em mãos pelo menos 1000 cargas de
carroça de "lenha boa e seca" e um grande celeiro cheiro de carvão.
Conservação:
Os métodos de preservação dos alimentos eram basicamente os mesmos
utilizados desde a antiguidade, e não mudaram muito até a invenção do
enlatamento no início do século XIX. O método mais comum e mais simples era
expor os alimentos ao calor e ao vento para remover a umidade, o que prolongava
a durabilidade, se não o sabor de quase qualquer tipo de comida, de cereais a
carnes; secar o alimento funcionava por reduzir drasticamente a atividade dos
vários micro-organismos dependentes da água, que causam a deterioração. Nos
locais de clima mais quente os alimentos eram deixados ao Sol, e nos de clima
mais frio do norte eram expostos aos fortes ventos (especialmente comum para a
preparação de bacalhau seco e salgado), ou em lugares quentes: fornos, porões,
sótãos, e às vezes até mesmo nos cômodos das moradias.
Submeter o alimento a processos químicos como a defumação, salga,
cristalização ou fermentação também fazia-no durar mais. A maior parte desses
métodos tinha a vantagem de encurtar o tempo de preparação e de introduzir
novos sabores. A defumação e a salga de carne de criações abatidas no outono
era uma estratégia comum para evitar ter de alimentar mais animais do que o
necessário durante os improdutivos meses do inverno. Havia a tendência de
salgar muito a manteiga (5–10%) para que não estragasse. Os vegetais, os ovos e
os peixes eram também frequentemente conservados como picles em potes
firmemente empacotados, contendo salmoura e líquidos ácidos (suco de limão,
vertjus, um suco extraído de uvas não maduras, ou vinagre). Outro método era
criar uma vedação em volta o alimento cozinhando-o em açúcar ou mel, ou em
gordura, nos quais era armazenado. Contudo, modificações feitas por bactérias
também eram promovidas por alguns métodos: grãos, frutas e uvas eram
transformadas em bebidas alcoólicas, desinfetando-as, e o leite era fermentado
e curado para a fabricação de muitos tipos de queijos ou leitelho.
Cereais:
A expressão Pão nosso de cada dia era uma realidade concreta durante
a Idade Média. A alimentação de todas as classes sociais consistia
principalmente em cereais, usualmente na forma de pão e, em menor grau, mingaus
e massas. As estimativas do consumo de pão por toda a Europa são muito
similares: por volta de 1 a 1,5kg de pão por pessoa por dia. Os grãos mais
comuns eram centeio, cevada, trigo sarraceno, milhete e aveia. O arroz permaneceu
uma importação cara na maior parte da Idade Média e era cultivado no norte da
Itália somente no fim do período. O trigo era comum em toda a Europa e era
considerado o mais nutritivo de todos os grãos, mas era de mais prestígio e,
portanto, mais caro. A farinha branca finamente peneirada com a qual os
europeus modernos estão acostumados era reservada para o pão das classes
superiores, enquanto os de status inferior comiam um pão que se tornava mais
rústico, mais escuro e com conteúdo maior de farelo conforme se fosse de camada
mais baixa da sociedade. Nos tempos de falta de grãos ou de grande fome, os
grãos poderiam ser suplementados com substitutos mais baratos e menos desejados
como castanhas, legumes, bolotas, samambaias e uma grande variedade de outros
vegetais mais ou menos nutritivos.
Um dos constituintes mais comuns da refeição medieval, seja como
parte de um banquete, seja como petiscos, eram pães embebidos em vinho, sopa,
caldo ou molho. Outro prato comum da época era um grosso manjar de trigo,
frequentemente fervido em caldo de carne e com condimentos. Eram também feitos
mingaus de todos os tipos de grãos, podendo ser servidos como sobremesas ou
pratos para os doentes, se fervidos em leite (ou em leite de amêndoa) e adoçado
com açúcar. Tortas recheadas com carnes, ovos, vegetais ou frutas eram comuns
por toda a Europa, assim como pasteis doces, bolinhos fritos, donuts, e muitas
outras massas similares. Por volta da Baixa Idade Média, biscoitos e
especialmente wafels, consumidos como sobremesa, se tornaram alimentos de alto
prestígio e havia muitas variedades. Grãos, tanto na forma de pão quando de
farinha, eram o espessante mais comum para sopas e guisados, puros ou em
combinação com leite de amêndoa. A importância do pão como o principal alimento
dava aos padeiros um papel crucial em qualquer comunidade medieval. Entre as
primeiras guildas das cidades a serem organizadas estavam as dos padeiros, e
leis e regulamentos eram transmitidos para manter os preços do pão estáveis. O
Assize of Bread and Ale (Padrões para o Pão e para Bebidas (alcoólicas) inglês
de 1266 possuía extensas tabelas onde o tamanho, o peso e o preço do pão eram
regulamentados em relação aos preços dos grãos. A margem de lucro estipulada
para o padeiro nas tabelas foi mais tarde aumentada pelo lobby bem sucedido da
Companhia de Padeiros de Londres; isso foi conseguido aumentando-se o custo de
tudo, de lenha à esposa do padeiro, casa e cachorro. Sendo o pão parte central
da dieta medieval, fraudes realizadas por aqueles confiados a fornecer a
preciosa mercadoria para a comunidade eram consideras uma ofensa séria.
Padeiros pegos falsificando os pesos ou adulterando a massa com ingredientes
mais baratos poderiam receber penalidades severas. Isso deu origem à expressão
dúzia de padeiro: um padeiro forneceria 13 pães pelo preço de 12, para ter
certeza de não ser conhecido como um embusteiro.
A utilidade do pão não se restringia a ser comido: embora geralmente
feitos de madeira ou metal (na maior parte peltre), os recipientes que serviam
de pratos na refeição em casas ricas eram feitos de pão velho, feitos de
farinha não peneirada mesmo no início da Idade Moderna, e o pão era usado para
limpar as facas quando passadas para outra pessoa ou antes de pegar sal do
saleiro de mesa compartilhado. Mesmo aparentemente descuidado, o manuseio de
metal quente ao servir os pratos podia ser realizado com fatias de pão
destramente enroladas nas mãos dos empregados, mas longe do olhar dos
implacáveis, escrupulosos e destacados que faziam refeição.
Frutas e vegetais:
Os grãos eram o constituinte primário da maior
parte das refeições, mas outros vegetais, como repolho, beterraba, cebola,
alho, e cenoura eram alimentos comuns. Muitos desses eram comidos diariamente
por camponeses e trabalhadores, mas eram de menos prestígio que a carne. Os
livros culinários, direcionados mais àqueles que poderiam adquirir tal luxo, e
que apareceram no fim da Idade Média, continham apenas um número pequeno de
receitas utilizando tais vegetais, a não ser em pratos de acompanhamento e em
sopas com carne e vegetais. Eram utilizadas muitas variações da cenoura na
Idade Media: entre elas uma variedade saborosa vermelho-escura e um outro tipo,
de menos prestígio, de cor verde-amarelada. Vários legumes, como grão-de-bico,
fava e ervilha eram também comuns e importantes fontes de proteínas. Com
exceção das ervilhas, estes não eram vistos com bons olhos pelos dietistas da
época, parcialmente por sua tendência de causar flatulência. A importância dos
vegetais para as pessoas comuns é ilustrada por relatos da Alemanha do século
XVI, os quais afirmam que muitos camponeses comiam chucrute de três a quatro
vezes por dia.
As frutas eram populares e poderiam ser servidas
frescas, secas ou em conserva, e eram ingredientes comuns em muitos pratos de
carnes. Sendo caros o açúcar e o mel, era comum incluir muitos tipos de frutas
em pratos que requeressem adoçantes de algum tipo. As frutas da preferência no
sul eram limões, cidras, laranjas-azedas (a variação doce foi introduzida
centenas de anos depois), romãs, marmelos e, naturalmente, uvas. Mais ao norte,
maçãs, pêras, ameixas e morangos eram mais comuns. Figos e tâmaras eram
consumidos em toda a Europa, mas eram importações um tanto caras no norte.
Ingredientes comuns e frequentemente básicos em
muitas cozinhas europeias modernas, como batatas, feijão-roxo, cacau, baunilha,
tomates, pimentas e milho não eram utilizados pelos europeus até o fim do
século XV, com o contato destes com os americanos, e mesmo depois disso
frequentemente levava muito tempo para que os novos alimentos fossem aceitos
por toda a sociedade.
Carnes:
A carne de animais selvagens caçados era popular
entre aqueles que podiam obtê-la, mas a maior parte da carne vinha de animais
domésticos. A carne de bovinos não era tão comum quanto hoje por que a criação
de gado era muito trabalhosa, requerendo pasto para a alimentação, e os bois e
as vacas tinham muito mais valor como animais de tração e para a produção de
leite. Animais abatidos por não poder mais trabalhar não eram particularmente
apetitosos e, portanto tinham menos valor. Muito mais comum era a carne de
porco, já que este requeria menos atenção e alimento mais barato. Os porcos
domésticos freqüentemente ficavam soltos mesmo na cidade e podiam ser
alimentados com qualquer sobra orgânica da cozinha, e os leitões alimentados
somente com o leite da mãe eram uma iguaria procurada. A carne de carneiro e de
cordeiro eram comuns, especialmente nas áreas onde havia indústrias
relativamente grandes de lã, assim como carne de vitela. Diferentemente da
maior parte do mundo ocidental moderno, todas as partes do animal eram comidas,
incluindo orelhas, focinho, cauda, língua e ventre. Os intestinos, a bexiga e o
estômago poderiam ser usados como invólucro para lingüiças, ou mesmo para se
criar ilusões de comida, como ovos gigantes. Entre as carnes que hoje são raras
ou até mesmo consideradas inapropriadas para consumo humano eram a de ouriço e
de porco-espinho, ocasionalmente mencionados em receitas da Baixa Idade Média.
Ambos eram considerados formas de porcos inferiores.
Vários tipos de pássaros serviam de alimento,
incluindo cisnes, pavões, codornas, perdizes, cegonhas, grous, cotovias e qualquer
outro pássaro que conseguissem caçar. Os cisnes e os pavões eram frequentemente
domesticados, mas eram consumidos apenas pela elite social, e mais preferidas
por sua aparência (muitas vezes usada para criar belos pratos) do que por sua
carne. Assim como hoje, os gansos e os patos eram domesticados, mas não eram
tão populares quanto a galinha, a ave equivalente ao porco. Curiosamente
acreditava-se que o ganso-de-faces-brancas não se reproduzia por ovos como os
outros pássaros, mas crescendo em cirripedias, e deste modo era considerado
aceitável como alimento nos dias de jejum e na Quaresma.
As carnes eram mais caras que os alimentos de
origem vegetal. Embora rica em proteínas, a quantidade de caloria por peso de
carne era menor que a dos vegetais. A carne podia ser até quatro vezes mais
cara que o pão. Os peixes podiam ter até 16 vezes o custo, e eram caros mesmo
para as populações costeiras. Isso significa que os dias de jejum poderiam ser
uma dieta magra para aqueles que não podiam adquirir alternativos à carne e ao
produtos animais como leite e ovos. Foi apenas depois que a Peste Negra
exterminou quase metade da população europeia que a carne se tornou mais comum
mesmo para as pessoas pobres. A redução drástica em muitas áreas povoadas
resultou em falta de mão-de-obra, fazendo com que os salários aumentassem
muito. Também deixou vastas áreas de cultivo abandonadas, tornando-as
disponíveis para pasto, e colocando mais carne no mercado.
Peixes e frutos do mar:
Embora de menos prestígio do que outras carnes animais, e
frequentemente vistos como uma mera alternativa à carne em dias de jejum, os
frutos do mar ainda eram o principal alimento de muitas populações costeiras.
"Peixe", para o homem medieval, era também um nome geral para qualquer
animal não considerado propriamente como terrestre, incluindo os mamíferos
marinhos, como baleias e marsuínos. Também inclusos eram os castores, devido à
sua cauda escamosa e ao tempo considerável que o animal passa na água, e os
gansos-de-faces-brancas, devido à falta de conhecimento de seus locais de
migração. Tais alimentos eram também considerados apropriados para os dias de
jejum. Especialmente importante era a pesca e o comércio de arenque e de
bacalhau no Atlântico e no Mar Báltico. O arenque era de importância sem
precedente para a economia de grande parte da Europa do norte, e era um das
mercadorias mais negociadas pela Liga Hanseática, uma poderosa aliança de
associações de comércio do norte da Alemanha. Arenques pescados no Mar do
Norte, salgados e defumados, podiam ser encontrados em lugares longínquos como
a Constantinopla. Grandes quantidades de peixe eram consumidas frescas, mas uma
grande proporção era salgada, seca e, em menor quantidade, defumada. Muito
comum era o bacalhau preparado dividindo-o ao meio, fixando-o em uma estaca
para secar, embora a preparação pudesse levar bastante tempo, sendo necessário
bater o bacalhau seco com um malho antes de embebê-lo em água. Uma grande
variedade de moluscos, incluindo ostras, mexilhões e vieiras era consumida
pelas populações costeiras e ribeirinhas, e camarões-de-água-doce eram vistos
como uma alternativa desejável à carne nos dias de peixe. Comparado à carne, o
peixe era muito mais caro para as populações do interior, especialmente na
Europa Central, e por essa razão não era uma opção para a maioria. Peixes de
água doce como o lúcio, a carpa, a brema, a perca, a lampréia e a truta eram
comuns.
Bebidas:
Na Idade Média, a preocupação com a pureza da água, as recomendações
médicas e seu valor de menos prestígio a faziam menos favorecida, sendo
preferidas as bebidas alcoólicas. Estas eram vistas como sendo mais nutritivas
e benéficas à digestão que a água, com a inestimável vantagem de serem menos
propensas à putrefação por conter álcool. O vinho era consumido diariamente na
maior parte da França e no oeste do Mediterrâneo onde houvesse cultivo de uva.
Mais ao norte, permanecia a bebida preferida da burguesia e da nobreza que
pudesse adquiri-lo, sendo muito menos comum entre camponeses e trabalhadores. A
bebida do povo comum na parte norte do continente era principalmente cerveja.
Por causa da dificuldade de preservação dessa bebida (especialmente antes da
introdução do lúpulo), era em sua maior parte consumida fresca; era portanto
mais turva e talvez com menor teor de álcool do que a equivalente moderna
típica. O leite puro não era consumido pelos adultos, a não ser os pobres ou
doentes, sendo reservado para as crianças pequenas ou para os idosos;
geralmente era usado na forma de leitelho ou soro de leite. O leite fresco era
em toda parte menos comum que outros laticínios por causa da falta de
tecnologia para evitar que se estragasse.
Os sucos de muitos tipos de frutos eram conhecidos, assim como os
vinhos, pelo menos desde a Roma Antiga e eram ainda consumidos na Idade Média:
vinhos de romã, amora, amoras-silvestres, pêra, e sidra, que eram especialmente
populares no norte onde tanto maçãs quanto pêras eram abundantes. As bebidas
medievais que sobreviveram até hoje incluem prunellé, de ameixas silvestres (hoje
conhecida como "slivovitz"), gim de amora e vinho de amora-silvestre.
Muitas variações de hidromel foram vistas em receitas medievais, com ou sem
conteúdo alcoólico. Contudo, as bebidas baseadas no mel se tornaram menos
comuns como bebida de mesa no fim do período e consequentemente rarearam. O
kumis, leite de égua ou de camela fermentado, era conhecido na Europa, mas,
como o hidromel, era algo em sua maior parte prescrito por médicos. O hidromel
tem sido frequentemente apresentado como bebida comum para os eslavos. Isso é
parcialmente verdadeiro, já que o hidromel tinha grande valor simbólico em
ocasiões importantes. Quando eram feitos acordos ou outros assuntos de estado,
o hidromel era frequentemente dado como presente cerimonial. Era também comum
em festas de casamentos e batismos, embora em quantidade limitada devido a seu
preço alto. Na Polônia medieval, o hidromel tinha um status equivalente ao dos
luxos importados, como especiarias e vinhos.
Vinho:
O vinho era comumente consumido e era também considerado a mais
prestigiosa e a mais saudável escolha. De acordo com a dietética de Galeno, era
considerado quente e seco (disso veio o uso moderno de "seco" ao se
descrever o vinho), mas essas qualidades eram moderadas quando o vinho era
diluído em água. Diferentemente da água e da cerveja, que eram consideradas
frias e úmidas, cria-se que o consumo moderado do vinho (especialmente de vinho
tinto), entre outras coisas, ajudava na digestão, gerava bom sangue e melhorava
o ânimo. A qualidade do vinho diferia consideravelmente dependendo da vintage,
do tipo de uva e, o mais importante, do número de prensagens. Na primeira
prensagem eram feitos os vinhos mais finos e mais caros, que eram reservados às
classes altas. A segunda prensagem e a terceira eram subsequentemente de
qualidade inferior e com menos conteúdo de álcool. As pessoas comuns usualmente
tinham de optar pelo vinho branco ou rosé mais barato de segunda ou mesmo de
terceira prensagem, o que significava que poderia ser consumido em quantidades
generosas sem que isso levasse a intoxicação forte. Para os indigentes (ou para
os mais de votos), vinagre diluído em água era frequentemente a única opção.
A maduração do vinho tinto de qualidade requeria conhecimentos
especializados e depósitos e equipamentos caros, o que resultava num produto
final ainda mais caro. A julgar pelas recomendações dadas em muitos documentos
medievais sobre como recuperar o vinho que dá sinais de que estava estragando,
a conservação deve ter sido um problema muito difundido. No século XIV o livro
de receitas Le Viandier trazia vários métodos de se recuperar o vinho que
estava se estragando; certificando-se de que os barris de vinho estivessem
sempre cheios, ou adicionando uma mistura de uvas brancas secas e fervidas com
as cinzas de sedimentos de fermentação de vinho branco secos e queimados, eram
ambos bactericidas eficazes, mesmo que o processo químico não fosse entendido
na época. Vinhos com especiarias não eram somente populares entre os ricos,
como também considerados especialmente saudáveis pelos médicos. Acreditava-se
que o vinho agia como um tipo de vaporizador e condutor de outros alimentos
para todas as partes do corpo, e a adição de especiarias fragrantes e exóticas
tornava-o ainda mais benéfico. Vinhos condimentados eram usualmente fabricados
misturando-se o vinho tinto comum com um sortimento de especiarias como
gengibre, cardamomo, pimenta, pimenta guiné, noz-moscada, cravo e açúcar. Essas
eram contidas em pequenas bolsas, que eram postas em infusão em vinho ou tinham
o líquido derramado sobre elas para produzir o hypocras (vinho aromatizado com
condimentos fragrantes, podendo ser aquecido) e outros tipos de vinho. Por
volta do século XIV, misturas assim empacotadas poderiam ser compradas prontas
dos mercadores de especiarias.
Destilados:
Os antigos gregos e romanos também conheciam a técnica, mas não era
praticada em escalas grandes até por volta do século XII, quando as inovações
árabes no campo, combinadas com o alambique de vidro resfriado a água, foram
introduzidas. Os estudiosos medievais acreditavam que a destilação produzisse a
essência do líquido que era purificado, e a expressão aqua vitae (do latim,
"água da vida") era usada como termo genérico para todos os tipos de
destilados no século XVII. O uso inicial de diversos destilados, alcoólicos ou
não, era variado, mas principalmente para fins culinários ou medicinais; um
xarope de uva misturado com açúcar e especiarias era prescrito para diversas
doenças, e a água-de-rosas era usada como perfume, como ingrediente culinário e
para lavar as mãos. Os destilados alcoólicos eram também ocasionalmente usados
para pratos secundários (um tipo de prato de entretenimento servido entre os
pratos principais) deslumbrantes e que deixavam a respiração quente,
embebendo-se um pedaço de algodão em bebida alcoólica. Este era então colocado
na boca do animal recheado, cozinhado e ocasionalmente com a pele recolocada, e
inflamado antes de apresentar a criação artística.
A aqua vitae em suas formas alcoólicas era altamente elogiada pelos
médicos medievais. Em 1309, Arnaldus de Villa Nova escreveu:
"Ela prolonga a boa saúde, dissipa os humores excessivos,
reanima o coração e mantém a juventude".
Na Baixa Idade Média, a produção de bebida alcoólica destilada
ilegal começou a aumentar, especialmente nas regiões de língua alemã. Por volta
do século XIII, o Hausbrand, (literalmente "queimado em casa" de
gebrannter Wein, Brandwein; "vinho queimado (destilado)") era algo
comum, marcando a origem do conhaque. Próximo do fim da Baixa Idade Média, o
consumo de bebidas alcoólicas se tornou tão enraizado que, mesmo entre a
população em geral, restrições de vendas e produção começaram a aparecer no fim
do século XV. Em 1496 a cidade de Nuremberga criou restrições para a venda da
aqua vitae nos domingos e nos feriados oficiais.
Ervas e especiarias:
As especiarias estavam entre os produtos mais luxuosos disponíveis
na Idade Média, sendo as mais comuns a pimenta-preta, a canela (e sua
alternativa mais barata, a cássia), o cominho, a noz-moscada, o gengibre e o
cravo. Todas eram importadas de plantações na Ásia e na África, o que as
tornava extremamente caras. Foi estimado que por volta de 1000 toneladas de
pimenta e 1000 toneladas de outras especiarias eram importadas para a Europa
ocidental por ano durante a Baixa Idade Média. O valor dessas mercadorias era o
equivalente ao suprimento de grãos anual para 1,5 milhões de pessoas. Enquanto
a pimenta era a especiaria mais comum, a mais restrita era o açafrão, usado
tanto por sua cor amarela avermelhada quanto por seu sabor. Entre as
especiarias que caíram em certa obscuridade estão a pimenta guiné, da mesma
família do cardamomo e que quase substituiu inteiramente a pimenta na cozinha do
norte da França do fim do período medieval, a pimenta longa, a flor da
noz-moscada, o espicanardo, o galangal e a cubeba. O açúcar, diferentemente de
hoje, era considerado um tipo de especiaria devido ao seu alto custo e às suas
qualidades humorais.
Ervas comuns como a salvia, a mostarda e especialmente a salsa eram
cultivadas e usadas na culinária de toda a Europa, assim como a alcaravia, a
menta, o endro e o funcho. A anis poderia ser usada para dar sabor aos pratos
com peixe ou frango, e suas sementes eram servidas como confeitos cobertos de
açúcar. As ervas cultivadas localmente eram mais acessíveis e eram também
usadas na comida das classes mais altas, mas usualmente menos notórias ou
inclusas meramente como colorífico. Uma concepção errônea atual é a de que os
cozinheiros medievais usavam quantidades abundantes de especiarias,
particularmente de pimenta preta, apenas para disfarçar o gosto de carne
estragada. Porém, um banquete medieval era por demais um evento culinário e uma
mostra dos grandes recursos e da generosidade do anfitrião, e como a maioria
dos nobres tinha uma grande seleção de carnes frescas ou em conserva, e peixes
e frutos do mar para escolher, o uso prejudicial de caras especiarias em carnes
baratas e estragadas faria pouco sentido.
Doces e sobremesas:
Na língua inglesa, o termo dessert (sobremesa) vem do francês antigo desservir, que significa limpar a mesa, originado durante a Idade Média (na língua portuguesa, sobremesa vem de sobre+mesa, no sentido de além de, depois da mesa). Consistia tipicamente em amêndoas açucaradas e vinho aquecido e adicionado de açúcar e condimentos acompanhados por queijo velho, e, por volta da Baixa Idade Média, poderia também incluir frutas frescas cobertas com açúcar, mel ou melado e pastas condensadas de frutas. Havia uma grande variedade de bolinhos fritos, crêpe com açúcar, manjares, leite de amêndoa e ovos numa fôrma para doces, que poderia também incluir frutas e algumas vezes até mesmo tutano ou peixe. As regiões de língua alemã tinham um gosto particular por Krapfen: massas fritas com recheios de vários sabores (equivalente ao sonho atual). Muitas formas do marzipã, um doce feito com amêndoas e açúcar, eram bem conhecidas na Itália e no sul da França por volta dos anos 1340; assume-se que é de origem árabe. Os livros de receitas culinárias anglo-normandos eram cheios de receitas de doces e de manjares saborosos, molhos grossos e tortas doces com morangos, cerejas, maçãs e ameixas. Os chefs ingleses também tinham uma inclinação para o uso de pétalas das flores de roseiras e de sabugueiros. Uma forma antiga de quiche pode ser encontrada em a Fôrma de Cury, uma coleção de receitas do século XIV, como Torte de Bry, com recheio de gema de ovo e queijo.
Na França setentrional, um grande sortimento de wafels era comido
com queijo e hypocras (vinho aromatizado com condimentos fragrantes, podendo
ser aquecido) ou vinho de malvasia (variedade de vinho madeira) como issue de
table (saída da mesa). O sempre presente gengibre doce, coentro, anis e outros
temperos eram referidos como épices de chambre ("temperos da sala") e
eram tidos como digestivos no fim das refeições para "fechar" o
estômago. Como sua contraparte muçulmana na Espanha, os conquistadores árabes
da Sicília introduziram uma grande variedade de novos doces e sobremesas, que
eventualmente se expandiram para o resto da Europa. Assim como Montpellier, a
Sicília já foi famosa por seus confeitos, torrones e doces com amêndoas
(confetti). Do sul, os árabes também trouxeram a arte da fabricação do sorvete,
produzindo sorvetes de frutas e vários exemplos de bolos e massas doces;
cassata alla Siciliana (do árabe qas'ah, o termo para a tigela de terracota na
qual era formado), feito do marzipã (doce feito com amêndoas e açúcar),
pão-de-ló e ricotta adoçada e cannoli alla Siciliana, originalmente cappelli di
turchi (chapéus turcos), tubos de massas fritas e resfriadas com recheio de
queijo doce.
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cozinha_medieval
Acesso em: 12 abril 2012